De julho de 2021 até a última quarta-feira (19), a Justiça Federal no Rio Grande do Norte bloqueou R$ 47,5 milhões das contas do Governo do RN por falta de pagamento para serviços em leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) firmados por meio de contrato junto a três hospitais particulares: Wilson Rosado, em Mossoró, Memorial e Rio Grande, em Natal. Ao todo, foram 16 bloqueios em dois anos – a maioria deles (nove), ocorreu em 2022. O mais recente foi determinado na quarta, cujo valor retido somou R$ 3,1 milhões. Os dados foram levantados pela TRIBUNA DO NORTE e confirmados pela Justiça Federal e pelo Conselho Regional de Medicina do RN (Cremern). Procurada, a Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), não quis comentar o assunto.
De acordo com o levantamento, realizado por meio de consultas no site da Justiça federal, em 2021 foi bloqueado das contas do Governo um total de R$ 3,1 milhões (R$ 108,5 mil em 23 de julho e R$ 3 milhões uma semana depois, em 29 de julho). No ano passado, os bloqueios somaram R$ 25,5 milhões (R$ 3,65 milhões em 7 de março; R$ 3,41 milhões em 25 de março; R$ 3 milhões em 8 de agosto; R$ 3,6 milhões em 6 de setembro; R$ 3,19 milhões em 25 de outubro; R$ 2,7 milhões em 18 de novembro; R$ 2,9 milhões em 7 de dezembro; e R$ 2,9 milhões em 20 de dezembro).
Em 2023, até esta semana, foram contabilizados cinco bloqueios referentes ao não pagamento aos três hospitais, totalizando R$ 18.,8 milhões. Desse valor, R$ 3,7 milhões foram bloqueados no dia 3 de março; R$ 6,39 milhões em 24 abril; R$ 2,69 milhões em 26 de maio; R$ 2,82 milhões em 20 de junho, além dos mais de R$ 3 milhões bloqueados na quarta-feira. O contrato com os três hospitais inclui 30 leitos de UTI.
A determinação foi baseada no Protocolo de Pedido Incidental de Bloqueio de Valores, apresentado na Ação Civil Pública movida pelo Cremern para garantia da manutenção dos leitos de UTI no Estado. O protocolo permite aos prestadores dos serviços contratualizados o pedido de bloqueio de valores para pagamentos dos serviços nas Unidades de Terapia Intensiva por força de decisão judicial proferida na ação, decisão essa registrada em ata de audiência realizada em dia 15 de março de 2019.
A ACP, no entanto, é mais antiga, conforme explica o Cremern. “A Ação foi estabelecida há 11 anos, porque, à época, constatou-se que pessoas estavam morrendo por falta de UTI, mas o Estado não conseguia suprir a alta demanda. Com a judicialização, houve um bloqueio de um grande volume de dinheiro para a construção das unidades de terapia. Assim, em Mossoró, o Tarcísio Maia passou de nove leitos para 29. Teve implantação também nos hospitais regionais de Caicó, Pau dos Ferros e Currais Novos”, detalha Marcos Jácome, presidente do Conselho.
Segundo Jácome, a ACP conta com dois tipos de técnicas de bloqueio: a estruturante, muito utilizada inicialmente para garantir as obras de construção dos leitos e o gatilho, que vem sendo adotado no caso do não pagamento aos hospitais privados. “Com a ação, notou-se que, além da criação de novos leitos em locais estratégicos da rede pública, era necessário a contratação de mais UTIs junto à rede privada”, afirma o presidente do Cremern.
A técnica de gatilho, pontua Jácome, foi criada no início da ação e pactuada em acordo através da Justiça, com assinatura de contrato após o Conselho ouvir os prestadores de serviço e o agente pagador (Estado). “Esse tipo de bloqueio funciona da seguinte maneira: com três meses de atraso, a assessoria jurídica dos hospitais aciona a Justiça que, levando em conta a pactuação da questão, determina imediatamente o bloqueio junto ao Governo do Estado para o pagamento dos valores correspondentes”, descreve.
Os valores são rateados entre os três hospitais. O bloqueio desta semana, segundo o Cremern, é referente ao mês de abril, já que são levados em conta o prazo limite de três meses de atraso. Marcos Jácome explica que, após o recurso ser bloqueado, os valores são repassados em um curto espaço de tempo aos hospitais. O pedido de bloqueio é feito sem intermediação do Cremern, uma vez que a questão já está pactuada na ACP.
Atraso não é novidade, diz Cremern
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte, Marcos Jácome, afirmou que os atrasos nos pagamentos para os hospitais particulares são recorrentes e não há, na avaliação dele, expectativas de que o cenário melhore no curto prazo. “Eu gostaria muito de acreditar que haverá mudanças na situação, mas, infelizmente, não tenho perspectiva de ver a questão resolvida de forma rápida. O Governo segue atrasando os pagamentos e os bloqueios se repetem. Isso não é novidade, infelizmente”, frisa Jácome.
“Quando acontece o bloqueio, o pagamento ocorre, mas somente em relação ao mês cujo limite foi excedido. Então, provavelmente, quando chegar agosto, teremos um novo bloqueio para pagar o mês de maio. Para manter os leitos, são necessários gastos com insumos, mão de obra e fornecedores. No caso dos contratos com os hospitais privados, são leitos até mais baratos do que os do próprio Estado. Isso porque, cada contrato amarra um limite de gastos”, acrescenta o presidente do Cremern. No caso das três unidades hospitalares, os gastos ficam em torno de R$ 1 milhão por mês, para cada uma delas.
Atualmente, o Estado possui 441 leitos de UTI via SUS, sendo 296 na rede pública e 145 contratualizados junto a prestadores privados (como é o caso dos hospitais Wilson Rosado, Memorial e Rio Grande) ou filantrópicos. Os dados são da Sesap. “No caso dos leitos pactuados junto à rede privada, o hospital tem que resolver o problema do paciente grave, mas dentro do limite estabelecido em contrato. Portanto, há uma estratégia grande de eficiência para oferecer o serviço, pagar pessoal e oferecer exames”, destaca Marcos Jácome.
O cenário de atrasos, de acordo com o presidente do Cremern, dificulta a atuação dos hospitais e dos profissionais que estão nessas unidades. “Como é que um profissional vai ficar três meses sem receber?”, questiona. Ele explica que, em alguns casos, os atrasos acumulam, como supostamente pode ter ocorrido em abril deste ano, cujo bloqueio nas contas do Estado ultrapassou os R$ 6 milhões.
“Possivelmente tem acúmulo de atraso, porque os valores bloqueados mês a mês giram em torno dos R$ 3 milhões”, pontua. A TRIBUNA DO NORTE tentou ouvir os três hospitais que ofertam os serviços de UTI pelo SUS através da pactuação com o Estado. O Rio Grande informou que não iria comentar o caso. A reportagem não conseguiu fazer contato com os demais hospitais.
Bloqueios
Veja a evolução dos bloqueios no Estado
2021
R$ 3.008.225,26 (29/07)
R$ 108.549,01 (23/07)
Total: R$ 3.116.804,27
2022
R$ 2.902.155,36 (20/12)
R$ 2.970.467,21 (07/12)
R$ 2.787.964,75 (18/11)
R$ 3.194.833,40 (25/10)
R$ 3.606.985,32 (06/09)
R$ 3.051.041,79 (08/08)
R$ 3.417.832,28 (25/03)
R$ 3.658.788,30 (07/03)
Total: R$ 25.590.068,41
2023
R$ 3.120.406,61 (19/07)
R$ 2.829.510,66 (20/06)
R$ 2.697.927,38 (26/05)
R$ 6.393.557,44 (24/04)
R$ 3.773.056,03 (03/03)
Total: R$ 18.814.458,12
Total (de 2021 a 2023):
R$ 47.521.330,80
Fonte: Justiça Federal do RN
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